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Foto do escritorMilene Scotti

Gatilhos = Minas Prontas para Explodir

Eu acredito que os “gatilhos” são uma parte difícil do luto.


Você sabe o que eu quero dizer com gatilhos? Estou pensando nas pequenas lembranças que, em um instante, colocam você em um profundo espaço de luto, onde você está distraído do que estava fazendo e de repente se encontra naquele abismo onde nada mais importa além de sua dor. Acostume-se com isso.


Os gatilhos são capazes de te emboscar sem o seu consentimento e a qualquer momento. Eu tive muitos desses "momentos desencadeantes" ( gatilhos) desde as muitas perdas que tive, e para cada perda os gatilhos são diferentes. É como se secretamente tivesse sido plantado minas terrestres quando eu não estava olhando, sabendo que elas estariam lá para mim quando eu menos esperasse. Que coisa cruel…, mas, ao longo deste texto você vai entender o lado positivo também. 


Visões, sons e cheiros estão no topo da lista de gatilhos. É quase como se nossos sentidos estivessem procurando por nós sem que soubéssemos. Lembro-me de mesmo distraída, toda a vez que sinto cheiro de pão quente, lembro de infância, meu pai com seu pão, cuca...., família envolta a comer o pão... Em um instante, sou levada de volta para uma conexão curta, mas doce, com um passado que eu não pensava há muito tempo. É tão vivido que me vem imagens, sensações, mesmo agora escrevendo este texto.


Como humanos, ansiamos por conexões uns com os outros. A morte de um ente querido não diminui esse desejo, mas na verdade o intensifica. Nós queremos o que não podemos ter. Então, o gatilho encontra uma maneira de recuperar essa conexão no luto.


Nosso trabalho como enlutados é aprender a sermos gratos pelas experiências que nos mantêm perto de nossos entes queridos que partiram sem sermos torturados por essas experiências. A reconexão pode surgir de repente quando você ouve sua música favorita, ou passa pelo hospital onde você tem lembranças dolorosas de seus últimos dias, ou vai até um corredor no supermercado que tem o cereal favorito da sua amada em exibição. Ruim ou bom, o passeio pela estrada da memória pode enchê-lo com fortes emoções e deixá-lo cair de joelhos.  


O truque é deixar que esses gatilhos se tornem oportunidades para você continuar a fazer o seu trabalho de luto, sem deixar você infeliz. Atualmente reconheço que os gatilhos são termômetros do nosso luto e oportunidades de retomar o que não está bem ainda, ou pelo menos não se tornou uma saudade boa.


Na minha própria jornada estou aprendendo a não fugir desses gatilhos. Eles me ajudam a manter o foco em minha dor e me levam a um lugar mais profundo do que eu poderia ter encontrado sem eles. Eu me tornei grata por eles como uma maneira de lembrar da minha filha, mãe, pai... Meus irmãos não têm os mesmos gatilhos.


Diferente de mim os gatilhos dos outros são diferentes, por exemplo as pessoas que viviam com a pessoa que morreu vão ter estoques de gatilhos e quem estava mais de longe terão menos. E é isso uma das coisas que fazem o luto ser tão diferente uns dos outros, nossas memórias são diferentes e o que nos aciona, portanto, será diferente.


Eu já descobri que a vantagem desses gatilhos, é quando o gatilho é acionado e eu posso reviver, lembrar parte da história vivida e que pode ter sido muito boa. Como no exemplo do cheiro de pão quente ou comer o pão quente…hoje não é mais triste, me traz uma memória doce, do pai, família...


Hoje e na minha experiência, que pode ser diferente pra você e também está bem, os gatilhos são os botões para boas lembranças, o que eu chamo da saudade boa. Sinceramente é a certeza de que valeu ter a existência daquela pessoa na minha vida e eu não trocaria por outra.

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